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EC/131 : o permissivo de conservação da nacionalidade originária brasileira após aquisição voluntária de outra nacionalidade
No dia 3 de outubro de 2023, o Congresso Nacional pôs fim à discussão relativa à perda da nacionalidade brasileira em razão de aquisição voluntária de uma nova nacionalidade através da promulgação da Emenda Constitucional 131. De acordo com a autora da PEC 16/21, que levou à consolidação da referida emenda, o principal objetivo almejado com a aprovação do novo texto legal era « corrigir uma situação de perda de nacionalidade com base no contexto de outra época ».
Antes da mudança legislativa em questão, o brasileiro que optasse, de forma voluntária pela aquisição de uma nova nacionalidade por naturalização, poderia se ver privado de sua nacionalidade originária brasileira. Assim, muitos brasileiros residentes no exterior se viam confrontados à escolha entre manter a nacionalidade originária brasileira ou adquirir uma nova nacionalidade, a fim de facilitar processos burocráticos no atual país de residência.
Para além disso, o antigo art. 12, §4º, II da Constituição Federal Brasileira deixava margem para interpretações diversas e causava insegurança jurídica para os cidadãos brasileiros naturalizados em países terceiros. Isto porque o artigo em questão apenas previa a manutenção da nacionalidade brasileira nessas condições se a aquisição da outra nacionalidade se desse em duas hipóteses específicas, a saber :
i) reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira – à título de exemplo, o caso de descendentes de italianos reconhecidos como italianos por força do ius sanguinis ;
ii) imposição da norma estrangeira no sentido de condicionar a naturalização ao brasileiro à permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.
Quanto à primeira hipótese, a carta magna era bastante clara : obtida a nacionalidade por vias originárias, seja por ius solis ou ius sanguinis, não havia de se ventilar a possibilidade de perda da nacionalidade brasileira de cidadão nato. Contudo, no caso do segundo enunciado, a legislação deixava espaço para discussão. Dois casos sobre o assunto ganharam notoriedade no Brasil entre a década de 90 e os anos 2000.
O caso Claudia Hoering estampou os noticiários brasileiros e virou um dos assuntos jurídicos mais comentados em direito internacional por envolver a plena perda de nacionalidade brasileira em razão da aquisição de segunda nacionalidade de maneira voluntária. No caso em voga, Hoering, residente nos Estados Unidos, se naturalizou estadunidense em 1999 através da contração de matrimônio com um cidadão estadunidense. Em 2007, Cláudia teria assassinado seu marido e foi considerada foragida após evadir-se do país norte-americano para o Brasil. Em 2011, após instrução de processo administrativo, Cláudia perdeu sua nacionalidade brasileira, com a aplicação do antigo art. 12, § 4º, II.
A defesa de Cláudia impetrou mandado de segurança logo em seguida, sob o argumento de que a opção pela aquisição da nacionalidade estaria ligada ao interesse de Hoering em ter acesso a direitos civis, invocando a aplicação da exceção prevista no art. 12, § 4º, II, b.
Contudo, mais tarde em 2015 a 1ª Turma do STF decidiu que Cláudia estaria usando sua nacionalidade brasileira para fugir da jurisdição estadunidense e que as razões enunciadas para afastar a perda da nacionalidade escorada na exceção prevista no texto legal não eram suficientes para justificar a necessidade da aquisição da nacionalidade estadunidense, na medida em que ela possuía carta de residência que a permitia de usufruir de direitos.
Em contrapartida, em circunstâncias diversas, mas sob a égide do mesmo fundamento legal, Heloisa Guimarães Rapaport, brasileira naturalizada estadunidense, evitou o decreto de perda de nacionalidade brasileira ao sustentar que a motivação para a aquisição da segunda nacionalidade se baseava em seu desejo de se tornar Promotora Pública Federal dos Estados Unidos, cargo reservado aos nacionais. A tese foi acolhida pelo Ministério da Justiça em agosto de 1995.
A nova emenda, de aplicação imediata (STF. Inq. 1637/SP, Rel. Min. Celso de Melo), mitigou, pois, a insegurança jurídica. O novo texto prevê a perda da nacionalidade apenas em caso de sentença judicial devido a fraude relacionada ao processo de naturalização ou de atentado contra a ordem pública e quando houver pedido expresso de renúncia da nacionalidade brasileira, desde que o cidadão não fique sem pátriaalguma.
Outrossim, a emenda prevê que a renúncia da nacionalidade nos termos do inciso II do § 4º do art. 12 não impede o interessado de readquirir sua nacionalidade brasileira originária. Isto é, o cidadão brasileiro que fizer pedido expresso de perda da nacionalidade brasileira pode recuperar sua nacionalidade originária, sem passar por processo de naturalização. Destarte, o permissivo legal em referência abre espaço para que os brasileiros afetados pelo antigo art. 12, § 4º, II possam realizar pedidos de reaquisição da condição de brasileiro nato. A jurisprudência e a doutrina brasileira hão de evoluir nos próximos tempos para definir a modelagem da aplicação da lei.
Em resumo, a nova emenda trouxe fim a uma discussão que se prolonga há décadas no Brasil e que tinha por tendência de se acentuar diante do aumento de casos concretos, consequência do aumento da emigração brasileira. De aplicação imediata, mas ainda recente para visualizar os efeitos práticos, resta a ver como a jurisprudência e a doutrina tratará a norma e os possíveis desdobramentos do dispositivo nos anos a vir.
🇫🇷 Version en français 🇫🇷
EC/131 : la conservation de la nationalité brésilienne après l’acquisition volontaire d’une autre nationalité
Le 3 octobre 2023, grâce à la promulgation de l’amendement constitutionnel 131 (EC/131), le Congrès national brésilien a mis fin au débat sur la perte de la nationalité brésilienne due à l’acquisition volontaire d’une nouvelle nationalité. Selon l’auteur du PEC 16/21, qui a conduit à la consolidation de l’amendement susmentionné, l’objectif principal du nouveau texte juridique était de « corriger une situation de perte de nationalité basée sur le contexte d’une autre époque ».
Avant ce changement législatif, les brésiliens qui choisissaient volontairement d’acquérir une nouvelle nationalité par naturalisation pouvaient se retrouver privés de leur nationalité brésilienne d’origine. Ainsi, de nombreux brésiliens vivant à l’étranger se sont retrouvés dans le passé confrontés au choix entre conserver leur nationalité brésilienne d’origine ou acquérir une nouvelle nationalité, afin de faciliter les processus bureaucratiques dans l’actuel pays de résidence.
En outre, l’ancien article 12, §4º, II de la Constitution fédérale brésilienne laissait la place à différentes interprétations et provoquait une insécurité juridique pour les citoyens brésiliens naturalisés dans des pays tiers. En effet, l’article en question ne prévoyait le maintien de la nationalité brésilienne que si l’acquisition de l’autre nationalité se produisait dans deux hypothèses spécifiques, à savoir : i) la reconnaissance de la nationalité d’origine par une loi étrangère – à titre d’exemple, le cas des descendants d’italiens reconnus comme italiens en vertu du jus sanguinis ; ou ii) si une loi étrangère imposait la naturalisation pour assurer le droit de rester sur le pays ou à l’exercice des droits civils.
Quant à la première hypothèse, la Constitution brésilienne était très claire : pour obtenir la nationalité par des moyens originaux, que ce soit par le ius solis ou le ius sanguinis, il n’était pas nécessaire de discuter de la possibilité de perdre la nationalité brésilienne en tant que citoyen de naissance. Toutefois, dans le cas de la deuxième affirmation, la législation ouvrait à la discussion. Deux cas sur le sujet ont gagné en notoriété au Brésil entre les années 90 et 2000.
L’affaire Claudia Hoering, très médiatisé, est devenue l’une des questions juridiques les plus discutées en droit international car elle impliquait la perte totale de la nationalité brésilienne en raison de l’acquisition volontaire d’une deuxième nationalité. Dans le cas en question, Hoering, résidant aux États-Unis, est devenu citoyenne naturalisée américaine en 1999 par mariage avec un citoyen américain. En 2007, Cláudia aurait assassiné son mari et aurait été considérée comme une fugitive après s’être enfuie du pays nordaméricain vers le Brésil. En 2011, après une procédure administrative, Cláudia a perdu sa nationalité brésilienne, avec l’application de l’ancien article 12, § 4, II.
Peu après, la défense de Cláudia a déposé une requête auprès du Tribunal Supérieur de Justice brésilien, arguant que l’acquisition de la nationalité américaine était liée à l’intérêt de Hoering à avoir accès aux droits civils, en invoquant l’application de l’exception prévue à l’art. 12, § 4, II, b.
Cependant, plus tard en 2015, le Tribunal Supreme Fédéral au Brésil a décidé que Cláudia utilisait sa nationalité brésilienne pour échapper à la juridiction américaine et que les raisons invoquées pour exclure la perte de nationalité sur la base de l’exception prévue dans le texte juridique n’étaient pas suffisantes pour justifier la nécessité d’acquérir la nationalité américaine, car elle disposait d’un permis de séjour qui lui permettait de jouir de droits.
En revanche, dans des circonstances différentes, mais sous l’égide de la même base juridique, Heloisa Guimarães Rapaport, une brésilienne naturalisée américaine, a évité le décret de perte de la nationalité brésilienne en soutenant que la motivation pour acquérir la deuxième nationalité était basée sur son désir de devenir procureur fédéral des États- Unis, poste réservé aux nationaux. La thèse a été acceptée par le ministère de la Justice en août 1995.
Le nouvel amendement, d’application immédiate (STF. Inq. 1637/SP, Rel. Min. Celso de Melo), atténue donc l’insécurité juridique. Le nouveau texte prévoit la perte de la nationalité uniquement en cas de décision de justice pour fraude liée au processus de naturalisation ou atteinte à l’ordre public et en cas de demande expresse de renoncer à la nationalité brésilienne, à condition que le citoyen ne soit pas laissé apatride.
Par ailleurs, l’amendement prévoit que la renonciation à la nationalité aux termes du II du § 4 de l’art. 12 n’empêche pas l’intéressé de retrouver sa nationalité brésilienne d’origine. Autrement dit, les citoyens brésiliens qui demandent expressément à perdre leur nationalité brésilienne peuvent récupérer leur nationalité d’origine sans passer par le processus de naturalisation. Par conséquent, la permissivité juridique en question ouvre la possibilité aux brésiliens touchés par l’ancien art. 12, § 4º, II de demander à réacquérir le statut de brésilien d’origine. La jurisprudence et la doctrine brésiliennes évolueront dans un avenir proche pour définir l’application de la loi.
En résumé, le nouvel amendement a mis fin à un débat qui durait depuis des décennies au Brésil et qui tendait à s’accentuer compte tenu de l’augmentation des cas concrets, conséquence de l’augmentation de l’émigration brésilienne. D’application immédiate, mais encore récente pour visualiser les effets pratiques, reste à savoir comment la jurisprudence et la doctrine traiteront la norme et les évolutions possibles du dispositif dans les années à venir.
📝 Références / Referências
Agência Câmara de Notícias, “Congresso promulga emenda que mantém cidadania brasileira de quem obtém outra nacionalidade” : acesso em 30 de novembro de 2023.
Ministério das Relações Exteriores, “Comunidades Brasileiras No Exterior (Ano-base 2022)” : acesso em 30 de novembro de 2023.
SOARES DA ROCHA, Júlia Aparecida ; DE GROSSI FIRMAN Mariana ; ANDRADE LOPES, Patricia, “Perda e reaquisição da nacionalidade brasileira: os efeitos do caso Claudia Hoerig” : acesso em 1° de dezembro de 2023.